BRUTA
Admiradora e colecionadora de arte étnica, Mariana Amaral, diretora criativa da itens, desafiou a designer Ana Neute a criar em 2017 uma coleção usando elementos que resgatassem a brasilidade e algo do nosso artesanato popular. Dias depois, Ana nos trouxe uma infinidade de opções e materiais. Nos apaixonamos pelo capim dourado. O brilho, a rusticidade e o encantamento que ele provoca nos fisgou e fez com que direcionássemos nosso olhar para um lugar surpreendente: o Jalapão.
Mariana e Ana fizeram então as malas para esse refugio escondido no sertão do Tocantins para uma imersão na comunidade que passaria a ser parte essencial da criação da coleção BRUTA.
“Como diz o ditado local, "o Jalapão é bruto". Em contraponto à essa brutalidade bela e selvagem, que deu nome à coleção, nos deparamos com a simplicidade e leveza dos sorrisos das mulheres do Quilombo Mumbuca, verdadeiras guerreiras lideradas pela doce "Doutora", uma curandeira local, terceira geração da mulher que descobriu o capim dourado nesta comunidade. Elas passam os dias tecendo o ouro local. Esta aptidão é passada de mãe para filha e não tenham dúvida: a verdadeira riqueza do Jalapão são as pessoas. Num momento em que se discute a liberdade, sororidade e o empoderamento feminino, tudo se encaixou por acaso e, para nós, fez todo o sentido perceber que, a partir deste momento, estamos ajudando a gerar renda nesta comunidade tão especial através de uma coleção pensada, desenhada, produzida e comercializada por mulheres”, comemora Mariana.
A coleção BRUTA conta com abajur, arandela, luminária de piso e pendente.
O Quilombo de Mumbuca e o Cultivo do Capim Dourado
No centro do Brasil, caatinga, paisagem bruta e exuberante, existe o Parque Estadual do Jalapão. Sua terra seca com vegetação de árvores retorcidas de tronco cinza, craquelado e casca grossa, dunas alaranjadas e fervedouros de água turquesa é o cenário do Quilombo de Mumbuca, localizado a 8 horas de estrada de chão vermelho e arenoso de Palmas, capital do Estado de Tocantins.
Com 150 habitantes, a comunidade existe há quase 300 anos e recebeu este nome por conta de uma abelha típica da região. Originários de índios e escravos vindos da Bahia, os Mumbuca são um povo guerreiro por natureza que nos foi apresentado por duas jovens corajosas: Ilana Cardoso e Miria Tavares ambas com 31 anos, coincidentemente a mesma idade da designer Ana Neute na época da viagem. A dupla, mesmo com todas as intempéries de uma vida com poucos recursos, correu atrás de formação universitária e hoje viaja o Brasil desempenhando o papel de “relações públicas” da comunidade, criando projetos e divulgando o trabalho do seu povo.
A utilização do capim dourado para artesanato já acontece no Tocantins há mais de 70 anos e grande parte da renda local vem do seu artesanato. A colheita tem época certa: só é permitida entre setembro e novembro, o que garante a continuidade da produção para o ano seguinte. Outra curiosidade é que o capim dourado não é plantado, ele é semeado num terreno pantanoso, conhecido como Vereda e só nasce neste pedaço do Brasil.
No Quilombo de Mumbuca, a utilização do capim dourado foi descoberta pela Dona Laurina e, desde então¸ a arte de tecê-lo é passada através das gerações. Neta de Laurina, Noêmia Ribeiro da Silva, mais conhecida como Doutora, é hoje em dia a responsável por “segurar a bandeira do capim dourado”, como ela mesma fala, uma incumbência que sua mãe recebeu de sua avó e passou para ela.
Os papéis feminino e masculino são bem definidos na comunidade: as mulheres são responsáveis pela colheita do capim, além de dominarem a arte do trançado do material; os homens se aventuram escalando a árvore do Buriti, que chega até a 40m de altura, para colher as folhas que dão origem à seda que funciona como uma linha de costura para trançar o capim dourado.
Os primeiros trabalhos com o capim foram em formas circulares. Daí surgiram os cestos, potes, chapéus e outros objetos que eram usados inicialmente em suas casas. Seu brilho começou a fascinar as pessoas e as peças começaram, então, a ser comercializadas.
CONCEPÇÃO
Por Ana Neute
Quando pensamos em desenvolver uma nova coleção, o ponto de partida foi trazer para o meu trabalho alguma referência do artesanato nacional. Depois de muita pesquisa, chegamos ao capim dourado. Escolhido o material, o desafio então foi aplicá-lo nas peças explorando o seu melhor, que é seu brilho natural. O resultado desse trabalho exalta a união de forças entre a estrutura de uma luminária feita com tecnologia de fábrica produzida em São Paulo abraçando o artesanato brasileiro do interior de Palmas (TO).
Escolhi trabalhar com o capim dourado em formas circulares e essa escolha não foi por acaso. O círculo, além do significado estético, traz um forte significado teórico. É uma forma elementar, encontrada no formato da Terra, nos olhos, na barriga de uma grávida, etc. Ele não tem princípio nem fim e é reconfortante, passa uma sensação de aconchego. Círculos protegem, limitam o que está dentro e não permitem que nada externo entre. Eles oferecem segurança e conexão, seu movimento sugere energia e sua complexidade remete ao infinito, à unidade e harmonia.
Na estrutura das luminárias, os círculos de capim dourado são emoldurados por discos de latão. Juntos, funcionam como refletores e abafadores. A lâmpada é encapsulada por um globo de vidro que emite uma luz suave e filtrada, reforçando o brilho do capim. Esse encontro resulta numa iluminação única, como um pôr-do-sol num campo de capim dourado no Jalapão. A BRUTA terá opções de piso, parede, mesa e teto, com variações de tamanho.
Nessa coleção, exploro algumas formas que já são referência no meu trabalho e a união delas com um material orgânico é uma experiência nova e que resultou em peças totalmente diferentes das que já apresentei. Posso dizer, que esse trabalho celebra o amadurecimento da minha parceria exclusiva com a itens: fizemos todo o processo juntos, desde a concepção até a materialização das peças. Curadora da coleção, Mariana desenvolveu comigo o conceito e batizou a coleção após nossa viagem ao Jalapão. Juntas conhecemos a comunidade que tece o capim, seu estilo de viver e encarar o mundo. Vivemos um processo de colaboração e troca desde o princípio que deve durar e crescer ainda por muitos anos.
Acredito que o designer é como um maestro, que orquestra diferentes instrumentos, materiais e técnicas, reunindo pessoas e experiências para a realização de um projeto. Por isso, estou muito orgulhosa do resultado. A BRUTA nasce com muito mais que técnica: tem boas histórias, diferentes vivências e parcerias de sucesso.